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Foto do escritorVictor Hugo Germano

China - Relato de Viagem

Atualizado: 27 de ago.


Disclaimer 1: Não sou especialista político ou cientista social. Este é um relato de viagem e das minhas experiências conhecendo a China em 2024, compartilhando minhas percepções.


Disclaimer 2: Já viajei para mais de 30 países, e minha experiência não é um julgamento da cultura chinesa ou uma generalização. Esta não é uma propaganda ou crítica, é um relato.


Disclaimer 3: Se você veio buscando uma crítica ao modelo político chinês, não vai encontrá-la aqui. Esta não é uma análise geopolítica da china, não tenho competência para isso. Procure pela Luana Margarete Geiger ou Elias Jabbour, especialistas reais no assunto. Ou o Felipe Durante, que fala bastante nas redes sociais a respeito de sua experiência morando no país.



Vamos lá.


Posso dizer de coração aberto que as 5 semanas que nesta viagem para China foram incríveis, completamente transformadoras e um grande aprendizado. Aprecio a cultura chinesa já há alguns anos, e esta viagem veio dentro do meu planejamento de 3 anos para ter um período Sabático viajando após minha saída da Lambda3. Ainda que eu tenha ressalvas quanto ao modelo de governo chinês, como já feitas em meus artigos sobre Os Nove Titãs Da IA - Amy Webb e sobre as Promessas e Mentiras da IA, nada disso é impeditivo para eu me aventurar por mais um país, ainda mais agora que tenho tempo para me aprofundar no local.


Este relato é uma versão estendida do que escrevi no twitter durante as últimas semanas, e sugiro conferir as threads listadas aqui, pois elas complementam as informações diretamente, além de apresentarem mais fotos e vídeos. Todas as fotos presentes nesse texto são minhas, nesse processo de aprender mais sobre fotografia que o sabático me proporciona :D


Minha idéia inicial era cobrir uma grande área do país, seguindo por Norte, Sul, Leste e Oeste, para aproveitar a oportunidade para conhecer tudo que havia estudado sobre cada região. No Fim, resolvi seguir um caminho longo mas menos amplo, numa viagem com mais tempo em cada cidade, para aproveitar melhor o que cada região pode oferecer em 35 dias viajando.


Como grandes objetivos Regionais:

- Sul

- Guandong, abrangendo Hong Kong e Macau

- Guanxi, visitando Yangshuo e Guilin

- Centro

- Hunan, conhecendo Zhangjiajie

- Shaanxi, visitando Xi’An

- Leste

- Beijing, visitando a capital

- Shandong, indo até Jinan

- Shanghai, terminando a viagem





Por quê visitar a China? Acredito que a China é o país que definirá os próximos 20+ anos no mundo, e nada melhor do que se preparar um pouco para essa mudança geral, melhorando o meu conhecimento do idioma e conhecendo alguns dos lugares mais incríveis da região.


Aproveitando que cresci fascinado pelos filmes de Bruce Lee e mais recentemente Jackie Chan, Donnie Yen, Michelle Yeoh e Zhang Ziyi, sempre foi minha intenção conhecer mais a fundo a cultura. Já tenho alguma experiência com o idioma oficial (o mandarim) entre algumas tentativas de estudo, e um interesse por conhecer a história e a cultura. No fim, demorou bastante tempo para irmos a primeira vez: sempre me faltou tempo para ficar o quanto realmente gostaria, e como é uma viagem longa, deixei para o melhor momento para fazê-lo.


À medida que preparava a viagem, ouvi vários comentários sobre como seria perigoso ou exótico conhecer o país, e o quanto eu deveria ter cuidado. E deixando essa questão de lado logo de cara: Essa foi uma das viagens mais tranquilas que já fiz, com o menor risco e o maior senso de segurança ao andar pelas cidades de dia ou à noite.


Os avisos, apesar de bem intencionados, eram mais provenientes de ignorância e preconceito do que de realidade. Fomos extremamente bem recebidos e qualquer tipo de perrengue menor de viagem foi resolvido sem stress nenhum. A China é incrível! Apesar da quantidade assustadora de pessoas nos lugares, a viagem correu muito bem.


Do que eu pude notar das pessoas na China, um paradoxo: uma boa parte que li sobre o país tem uma conotação ruim de falta de liberdade, repressão e controle. Mas o que vi não poderia ser mais oposto: Segurança, Cuidado e pessoas aproveitando o dia e o próprio dinheiro. Obviamente que tem muita gente trabalhando, no grinding diário e ficando até tarde em lojas e escritórios.


Mas de maneira geral:

  • locais turísticos carregados de chineses passeando aos montes (quase não se vê estrangeiros em muitos lugares)

  • idosos praticando exercício na rua nos mais diversos horários do dia

  • crianças aos montes se divertindo, a maior parte das vezes sem uma supervisão dos pais (mesmo durante a noite)

  • mulheres sozinhas, à noite, passeando - parece pouco, mas foi a principal coisa que minha esposa notou em nossa viagem - “nossa, ela está correndo à beira do lago sozinha as 22:00! Que coisa maravilhosa”. Nos acostumamos a ter medo no Brasil, completamente diferente da China. 

  • ruas animadas com barracas de comida, galera bebendo, comendo e fazendo festa

  • lojas, das mais variadas marcas, cheias e com muitas pessoas comprando e se divertindo. As principais marcas caras mundiais estão por aqui, e os maiores shoppings também.

  • restaurantes cheios, dezenas de shopping centers e lojas. Esta é uma sociedade de consumo de uma ponta a outra.





Você deve se perguntar “tá, mas e o governo?” - Como turista, em nenhum momento, isso se tornou pauta, e a minha percepção foi bastante clara: garantindo infraestrutura, segurança, acesso e qualidade de vida, a população segue da melhor forma possível. Inclusive, durante um passeio guiado por uma chinesa, ela explicou claramente sobre a revolução cultural, os excessos e problemas, além obviamente apontar a modernização recente da China como sendo um mérito do trabalho do governo.

A imensidão das cidades impressiona: nada é pequeno, e quase toda cidade seria considerada uma capital no Brasil, de tanta gente. Nenhuma infraestrutura é feita para poucas pessoas - tudo é gigantesco, e preparado para receber centenas de milhares de pessoas. Visitamos Yangshuo, ao sul da China, uma das menores cidades com 300k habitantes, e existe um centro comercial, no centro da cidade, que é maior que muita cidade do Brasil.




Algo comum que viajantes relatam é o fato das pessoas normalmente pedirem pra tirar foto, encararem você na rua e de maneira geral puxarem assunto quando você está num restaurante ou caminhando. Levamos isso numa boa, e foi uma ótima oportunidade de aprimorar minhas habilidades de fazer perguntas em mandarim. Talvez pessoas mais introvertidas se assustem um pouco, mas a verdade é que num país tão grande, é compreensível que muitas pessoas nunca tenham visto um estrangeiro. Principalmente crianças são incentivadas pelos pais para trocar algumas palavras em inglês.


Essa experiência foi talvez a mais pitoresca que tenha passado, e ao mesmo tempo a que mais me trouxe alegria de visitar o país: Como a china esteve fechada por muito tempo no passado, inclusive com restrições também durante a pandemia de viajar internamente, algumas pessoas nunca estiveram com alguém de outro país - nada mais natural que tirar foto para registrar o momento: sabendo um pouco de chinês, ainda pude trocar algumas palavras que alegram o momento ainda mais. As pessoas são educadas e percebem quando você não está muito a vontade.



Ao comentar sobre esse fato no instagram, uma amiga, brasileira, disse que acontece a mesma coisa com ela quando viaja para o nordeste brasileiro. Por não ter a aparência mais comum da região, as pessoas puxam conversa em inglês, assumindo que ela é uma turista asiática, e não uma paulistana. É a mesma coisa.


Com o mandarim mais básico que tenho (HSK1 e HSK2 pros entendidos), consegui me virar muito bem, e trouxe muitas interações divertidas com as pessoas que não imaginavam um estrangeiro conseguir pedir comida em mandarim. Foi a melhor forma de conquistar a simpatia e ajuda quando precisávamos de informação ou apenas bater papo. Recomendo MUITO que você aprenda algumas frases, pois esse cuidado demonstra respeito pela cultura do país que você viaja.




Aquilo que não se resolve com inglês é facilmente resolvido com os tradutores gerais. Vale a pena usar! Numa situação em um hotel, foi o que conseguiu resolver um mal entendido com a minha reserva, e todos os chineses são acostumados a utilizar um aplicativo de tradução geral nas situações difíceis que um turista encontraria.


A frase que mais ouvi das pessoas foi “Bem vindos à China!”, e um interesse genuíno em compartilhar momentos através da comida, natureza e o curto tempo que passei com algumas pessoas.


Mas talvez a frase que me mais me marcou nessa viagem foi “A China vai usar o tempo para mostrar ao mundo”. Quando a sua história começou há mais de 3 mil anos, não se pensa no curto prazo para realizar um plano.


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# O País da Infraesturura


A coisa que mais me impressionou no país foi a infraestrutura geral: estradas, rede ferroviária, metrô, rede de ônibus, etc - é impressionante o tamanho e a disponibilidade por todo o país. Sempre considerei a estação Gare du Lion, em Paris, como sendo uma mega infraestrutura de trens - até chegar em uma estação como a de Guangzhou ou Guilin e entender melhor :D


Como Brasileiro, estamos acostumados a obras faraônicas que duram décadas, e como paulista, ouço há 40 anos sobre a expansão do metrô de São Paulo, como se esperar 20 anos para a construção de 3 estações fosse mérito da administração do estado ou da cidade. Ainda não temos metrô pra Congonhas, linhas que cheguem a Guarulhos ou outras regiões da cidade. A China transforma sua percepção nessas coisas.


Xi’An há 15 anos não tinha nenhum metrô, e hoje conta com 2 estações de trem bala, mais de 100 estações de metrô, e uma rede de ônibus de dar inveja. Nossa cabeça tem dificuldade de compreender isso: no período de 15 anos, eles construíram o equivalente a 5 sistemas de metrô paulista inteiros. Não se faz isso sem vontade política. É incrível! Conhecendo melhor o plano de expansão da rede ferroviária do PCC, eu só consigo sentir inveja.


Isso facilita a vida do turista mais que qualquer coisa. Nenhum outro país está preparado para o trânsito de pessoas que acontecem nesse país. Posso dizer tranquilamente que a China possui a melhor infraestrutura para o turista do mundo. Metrô, trem, aeroporto, ônibus, rede de taxi/uber.


Me assustou um pouco ao planejar essa primeira viagem, principalmente porque as cidades tem 3, às vezes mais, estações de trem diferentes - e são tantas opções de trem de alta velocidade, que fica muito fácil comprar passagens erradas, ou para lugares diferentes. Felizmente, o aplicativo Trip.com é fenomenal nesse sentido, e uma mão na roda para tudo que você precisa na viagem (voos, trens, hotéis, tickets de atrações). A disponibilidade de opções, além da possibilidade de fazer tudo pelo aplicativo facilitam muito a vida. Uma vez comprada uma passagem de trem, basta apresentar um documento na estação para ter acesso, com uma das experiências mais transparentes que já presenciei. Para planejar rotas, e as possibilidades, o App RomeToRio foi incrível, pq ele consegue integrar todos os modais e dizer exatamente qual estação e quais passagens comprar, onde pegar taxi ou ônibus. Inclusive para as cidades menores da China.





Sei do compromisso chinês em se tornar um país com um net de carbono zerado nos próximos anos, e é nítido isso esse esforço na construção dessa infraestrutura ferroviária mais impressionante que já vi. Praticamente todos os carros do Didi (Uber chinês) são elétricos, além de muito da infraestrutura dentro de parques nacionais.


Viajamos 1 semana durante um feriado nacional (o Boat Dragon Festival), e deu pra entender o porquê dessa preocupação: uma multidão de pessoas se descolando entre regiões. Nenhum país está preparado para comportar a quantidade de gente que vimos viajando pela China. Seria impensável ver isso acontecendo de Carro e Ônibus, como quase tudo no Brasil. Para se ter uma idéia, durante o ano novo chines, mais de 100 milhões de pessoas seguem para o interior da China, para passar o feriado. Impressionante.




É muita gente…


Aliás, esse é um ponto de contraste importante em relação ao Brasil: não há como deixar espaços sem infraestrutura de acesso e trânsito, pois tudo seria destruído! Ouvi um amigo comentar como, nos parques e florestas na China, tudo é pavimentado e todas as trilhas são construídas com escadas de pedras e passarelas, criticando essa abordagem que não seria “conectada com a natureza o suficiente”. Banheiros no meio de trilhas floresta a dentro, espaços vendendo comida, passarelas e pontes de alvenaria, linhas de ônibus para circular dentro dos parques, além de teleféricos cortando a mata. Como amante da natureza, e com experiências em diversos parques pelo mundo, é comum o estranhamento quando a essa abordagem.


Bastou visitar um desses parques no final de semana pra entender que nenhuma natureza sobrevive às centenas de milhares de pessoas todos os dias andando por trilhas demarcadas e estradas de terra. O pensamento aqui é o oposto: se não viabilizar espaços acessíveis para o volume de pessoas que transitam e passeiam, toda a natureza sofre. Um contraponto direto à filosofia das entidades de preservação no Brasil, que seguem um direcionamento isolacionista. Nos dias de hoje, alguns parques nacionais nos EUA estão cogitando bloquear a entrada de turistas para reduzir o impacto causado pelo volume de gente, porque eles não foram projetados para a realidade atual de turismo outdoor.


Bem, na China, todos foram projetados para tal, e isso é incrível.



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# Mundanidades: internet, tecnologia e comida


Eu sempre gostei de comida Chinesa, e esse ponto foi um dos grandes motivadores de viajar: ainda que você possa encontrar restaurantes super autênticos em SP e em quase qualquer parte do mundo, queria experimentar restaurantes locais, menos glamurosos, e do dia a dia das regiões. Foi melhor do que eu imaginava!


A comida é sempre farta, porções grandes e muito sabor, independente do restaurante: do mais caro ao mais barato, você sempre vai encontrar uma ótima variedade de opções. Como minha esposa tem algumas restrições alimentares devido a alergias e escolhas pessoais (alergia a soja e leite, não carne vermelha, etc), normalmente temos alguma dificuldade em achar locais que comportem. Eu, por outro lado, como qualquer coisa em qualquer lugar, e queria provar todos os pratos existentes :D


Para minha surpresa, tivemos menos problemas com isso do que em outros lugares no mundo (foi mais fácil achar comida pra ela na China do que normalmente é achar um prato sem lactose e carne na França, que não seja salada). Como a base da alimentação é composta por arroz, verdura cozida e uma variedade de carnes, foi super tranquilo de comer em vários restaurantes, e em todas as ocasiões as pessoas trabalhando fizeram o possível para acomodar as restrições. Passamos por algumas surpresas, mas nada demais para comentar. Comer aqui, é fenomenal.


É costume ver viajantes postarem comidas estranhas e incomuns, que servem pra aumentar a sensação de que estamos indo para um lugar super exótico - mas na minha experiência, muito do que se come por lá nós temos equivalentes no Brasil e outras cozinhas, apesar do preparo e temperos diferentes. A maior parte dos lugares turísticos vendem comidas ”extremas” como armadilha de turista mais do que qualquer coisa.



Na França, escargot - que muitos acham chique pagar 35 euros por um prato. Na china, um dos melhores pratos que comi foi 螺炒面 (luó chao mián), que é um macarrão refogado com lesma, muito parecido com o equivalente francês em textura. Pé de galinha, rabo de boi, rins, molho pardo e intestino frito também são ingredientes comuns de encontrar em restaurantes pela China, que temos aos montes em qualquer interior do Brasil, mudando apenas o preparo.





Obviamente que em alguns eventos formais alguns pratos são servidos como iguarias (destaco aqui - pepino do mar, larvas de borboleta, e alguns órgãos como Rins e Intestino), e minha reação a elas é igual quando colocam um prato de ostras frescas na mesa de um bar em Floripa: ok, bonito, posso provar, mas muito obrigado não quero. Fomos num jantar na Universidade de Medicina Tradicional Chinesa que tudo foi servido, e pude provar sem problemas o pepino do mar, larvas e carne de órgãos, sendo a única oportunidade ter algo assim disponível. Não tem com o que se preocupar.



Talvez o que seja mais difícil para os viajantes seja a pimenta nos pratos, que em muitos lugares é realmente impactante para os não iniciados. Eu não tive nenhum problema (adoro pimenta), mas sempre tive que pedir pratos sem, para que minha esposa pudesse comer, em muitas regiões a pergunta padrão no restaurante é “你能吃辣吗?” - você consegue comer comida apimentada?


E por último, você sempre encontra alguma rede de fast food porcaria que existe em qualquer lugar do mundo (KFC, Starbucks e McDonalds tem em quase todo lugar). Não recomendo seguir nessa opção, e perder uma comida rica, saborosa e mais saudável.



O que realmente assusta os mais desavisados, enquanto viajávamos pelas mais diversas cidades, são as feiras de rua - principalmente pelo fato de que o processamento de animais é feito diretamente na rua. Esquecemos de onde vem a carne que comemos, e a evolução da produção industrializada de carne no Brasil, retirou das feiras a maior parte do trabalho de matar, limpar e vender carne. Bem, na China, isso acontece na rua.


É muito comum a venda de animais vivos, principalmente aves e peixes, e seu processamento diretamente na bancada. Eu vi em alguns lugares o processamento de carne de suínos e bovinos, mas é incomum pela praticidade. Se você não for em feira de rua, provavelmente não vai ver. Supermercados também vendem animais vivos para comida, além de carne processada e embalada como no Brasil.




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Internet


Existe internet em todo o lugar. A impressão que eu tive é que mesmo em regiões realmente afastadas, a cobertura de 4G existe sem quase nenhuma região de sombra. E isso é fenomenal, num país que praticamente tudo depende da infraestrutura de conexão de rede para operar. Em 5 semanas não precisei usar dinheiro físico nenhuma vez, nem mesmo para comprar uma cerveja da tiazinha no alto de uma montanha em Yangshuo depois de uma trilha exaustiva.


Artesões de rua, restaurantes, taxi, hotéis, barraquinha de churrasco, aluguel de bike, ingresso de museu, reserva de hotel, passagem de trem e cartão de metro: tudo se utiliza da rede de pagamentos Alipay ou WeChat, com os seus superApps que realmente conseguem integrar toda a sociedade chinesa em baixo de dois titãs tecnológicos. O sonho dos bilionários do vale do silício, que tem falhado há tantos anos no resto do mundo, é uma realidade aqui. Nem todo lugar aceita cartão de crédito, e sem esses aplicativos você vai passar perrengue.


Impressiona a permissividade e acesso que esses apps tem, além da praticidade que eles permitem que eu, estrangeiro, possa interagir com o país. Não há como escapar. Ainda que eu tenha ressalvas quanto ao uso dessa tecnologia e a implicação para uma sociedade de vigilância já estabelecida, foi uma experiência bem doida ver como tudo funciona na prática, e a comodidade do uso de mini apps para tudo foi uma mão na roda. Ainda que não tenha fornecido nenhum dado biométrico, para participar disso é necessário ceder inúmeros dados pessoais, além de foto do passaporte e um cartão de crédito/debito virtual. Para alguns dos serviços, no entanto, é necessário um SIM físico, para que se possa validar o acesso diretamente, o que simplifica a vida (o Didi, uber chinês, precisa de um número real)




Para poder interagir com o mundo fora da china o uso de VPN é obrigatório, uma vez que minha vida está na nuvem. Percebi que é mais fácil utilizar um serviço de dados 4G e eSim para acessar a vpn, do que confiar que as redes Wi-Fi estarão disponíveis para conectar a uma VPN: normalmente não é o caso, principalmente nos hotéis, a instabilidade é grande para manter a VPN ativa, diferentemente do 4G. Utilizei o Airalo + Betternet como meus provedores de eSIM e VPN, e não tive problemas para utilizar os serviços, mesmo que com velocidade pior do que teria fora da china - vale a pena se preparar antes. Infelizmente alguns serviços não funcionam caso não tenha um SIMcard chinês, mas isso também pode ser resolvido comprando um SIM local.


O uso de VPN não é um tabu ou uma restrição a estrangeiros, e quando visitamos algumas universidades, todo mundo utiliza para acessar o ferramental e conteúdo do google e YouTube como mecanismo de busca.


Se você, assim como eu, tem a vida registrada na nuvem, vai ter problemas para se adaptar. Principalmente porque nenhum serviço de Google/Facebook/Apple está preparado para o uso na situação da China - mesmo salvando arquivos offline no Drive, por exemplo, sem VPN é muito ruim de acessar, a mesma coisa serve para várias outras apps. Google Maps muitas vezes nos deixou na mão com informações erradas de lugares, apesar de que o AppleMaps funciona muito bem.


Além disso, os apps locais não funcionam corretamente quando a VPN está ativada, o que vira um eterno ping pong, que desgasta um pouco a experiência.





Uma parte interessante é a quantidade de veículos elétricos nas ruas, de motonetas a caminhões, é super prevalente o uso da tecnologia. Acredito que será um ótimo estudo de caso sobre a longevidade da solução e o aproveitamento desses veículos no decorrer dos tempos.


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O que visitei



## Hong Kong e Macau


Hong Kong foi a cidade que mais gostei de conhecer. Posso afirmar tranquilamente que é uma das cidades mais incríveis que já fui, e que tivesse eu os 20 anos novamente, não teria mudado pra Irlanda, mas sim pra Hong Kong.


Uma cidade vibrante, multi cultural e extremamente cara! Tivemos a sorte de termos amigos para nos receber, e conversar um pouco sobre a cultura local e histórica. Com história colonial recente e uma cultura milenar, este é um destino necessário para entender de maneira mais completa a China de maneira geral.


Apesar do Cantonês ser língua oficial, muitas pessoas falam Inglês e mandarim. 


Aqui, a experiência com o Octopus Card foi excelente. Funciona como um cartão de debito para absolutamente tudo na cidade: metro, trem, lojas, museus, etc. 


Macau é uma cidade que demonstra claramente a influência colonial portuguesa na arquitetura e culinária, e segundo uma pessoa que conversamos, a burocracia geral. Vale conhecer principalmente se você gosta de Cassinos, já que existem tantos quanto Las Vegas.




## Yangshuo, Guilin



Comparado às outras cidades, Yangshuo é uma vila de pescadores, mas no estilo Chinês: maior que Florianópolis.


Uma cidade de 1400 anos de história numa das regiões mais impressionantes que já fui. As montanhas de calcário se estendem infinitamente no horizonte, cortadas pelo Rio Lijiang, na região de Guilin.


Está foi a primeira cidade em Mainland China, e como a menor das cidades planejadas em visitar, imaginei que chegaria em uma região de montanhas como tantas outras que já visitei: poucos restaurantes, acesso restrito a opções de transporte e lojas, e um local direcionado ao turismo. Foi quase isso.


A cidade é grande, vibrante e super orientada ao consumo. Estávamos na região durante o Boat Festival, um feriado prolongado, e deu para experimentar uma região super cheia de turistas, e quase nenhum estrangeiro.



## Zhangjiajie, Hunan



Um dos principais pontos turísticos da China, com o primeiro parque nacional criado no país, Zhangjiajie é impressionante. A região ficou mais famosa internacionalmente com o filme avatar e a afirmação que os grandes pilares de arenito foram inspiração para as montanhas flutuantes do filme. O arenito aqui é mágico, e um dos lugares mais impressionantes que eu já fui.


Um lugar mágico, com uma estrutura invejável de acesso, acessibilidade e tamanho. Este foi um dos melhores parques nacionais que já visitei. Aqui ficou claro que seria impossível suportar a quantidade de turistas que normalmente visitam essa região com o modelo que mais comum dos parques nacionais das Américas e Europa. É muita gente!


A cidade foi uma das menos atrativas, e com menor estrutura, apesar de ter mais de 1M de pessoas.


## Xi’An, Shaanxi


Talvez essa tenha sido umas das cidades mais incríveis que já visitei, e certamente a com melhor infraestrutura de acesso.


Impressionante pensar que há 15 anos nem o metro existia. Uma das primeiras capitais da China, e com mais de 3 mil anos de história, Xi’An reúne diversos grupos e culturas que tocaram o país. Como porta de entrada para o império chinês durante a rota da Seda, a cidade é um exemplo de cultura e preservação da história do país.


Entre os guerreiros de terracota, múltiplas estações de trem bala e templos de mais de mil anos, a cidade é a mais bonita que visitamos na china. Além de ser um dos berços filosóficos do país.


Apesar de ser uma cidade grande para os nossos padrões, não tem as características de cidades como Shanghai e Beijing. É menos internacionalizada, o que a deixa ainda mais interessante.


Recomendo muito.


## Beijing



Toda capital tem o mesmo aspecto: plastificado, coordenado e obrigatoriamente “Modelo”. Não seria diferente na capital do Comunismo Chinês.


É uma bela cidade, com muito trânsito e um ar pasteurizado. Não imaginava diferente - e gostei bastante do que vi, mas diria que é uma cidade para conhecer em poucos dias e seguir para regiões mais interessantes do país.




## Jinan


Jinan é uma cidade “pequena”, com 8M de pessoas, que foi uma surpresa interessante. Apesar de um grande centro econômico, a cidade buscou criar uma infraestrutura que preservasse a história local através de um grande bairro “antigo”, com lago, casas típicas e passeios sob a água.


Na cidade também conhecemos uma das maiores universidades da China, a Shangdon University, visitando o centro de ensino para Medicina Tradicional Chinesa, com mais de 5 mil alunos.


Próximo a Jinan fica Qufu, região de origem de Confúcio, talvez o nome mais importante da cultura chinesa nos últimos 2 mil anos. Vale a visita ao mausoléu e residência da Família.




## Shanghai


Shanghai é a maior metrópole que eu já fui, e a segunda maior do mundo. Se a infraestrutura de Xi’An impressiona, a de Shanghai assusta. Fiquei maravilhado com a disponibilidade, facilidade e alcança dessa região metropolitana de 30 milhões de pessoas.


Além disso, a cidade segue um plano de desenvolvimento iniciado em 1997, para que se tornar a metrópole exemplo do Comunismo Chinês, tendo seu primeiro marco em 2020 e o próximo em 2035. É possível acompanhar o projeto e entender melhor a visão de longo prazo para a cidade: incrível. Pessoalmente gostaria que tivéssemos esse tipo de pensamento de longo prazo e força política para realizar o desenvolvimento econômico e social de nossas cidades da mesma foram.


É a cidade mais internacionalizada que visitei, com muita coisa pra fazer. Difícil dar uma opinião real sobre Shanghai em pouco tempo, mas só consigo descrevê-la como “Impressionante”.



## E o Comunismo?




Vivemos num país em crise, e é inevitável traçar um paralelo com as décadas de propaganda anti China e o sentimento de desespero que entra na disputa de idéias quando o assunto são modelos de governo. Temos segurança, moradia, desenvolvimento econômico no potencial brasileiro? Eu acredito que não. E quais opções temos?


Viajar pela China é, sem dúvidas uma transformação. Se eu acreditasse no que me disseram antes de ir, talvez eu não tivesse encontrado um país tão incrível para se visitar.


Mas é inegável enxergar o modelo político e econômico chinês como um sucesso, gerando uma sociedade de consumo em plena atividade, uma população que em 60 anos se transformou completamente da miséria extrema e superou qualquer outro exemplo mundial de evolução. Sob os indicadores que nós mesmos temos no Brazil, a China é melhor do que nós e qualquer um dos nossos vizinhos diretos.


Obviamente que existe muitas críticas ao modelo, aos erros e excessos cometidos no passado, principalmente no início da revolução cultural. Elias Jabbour descreve muito melhor do que eu conseguiria no livro China: socialismo do século XXI


O benefício dessa viagem foi exatamente questionar até onde estamos sendo inundados com propaganda, medo e incertezas. E o quanto estamos perdendo como país em não enxergar a política mundial como um jogo de interesses nacionais, e não uma disputa bíblica do bem contra o mau. A quem estamos servindo em não construirmos um modelo de governo que garanta ao Brasil maior desenvolvimento econômico, social e geopolítico?




Mais algumas fotos dessa viagem



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